E aí pessoal? Tudo certo por aí?
É curioso que eu continuo lendo o jornal todos os dias mas não tenho encontrado tantos tópicos que me chamem a atenção ao ponto de compartilha-los. Veja bem, não estou reclamando, isso só quer dizer que a ficção está mais interessante que a realidade e nada melhor do que a calmaria que nos permite aproveitar sem culpa um livro ou uma peça de teatro.
Elogio ao mestre - 1
Sempre gostei e acompanhei o trabalho do diretor, professor e pesquisador Antunes Filho. Do seu Centro de Pesquisa Teatral (CPT), com o apoio eterno do Sesc saíram montagens inesquecíveis como Medeia, que lotava todas as sessões e tinha disputas por seus ingressos, e pequenas preciosidades como o Prêt-a-Porter, um projeto didático que fazia os alunos do CPT vivenciarem a criação de uma encenação desde o texto até a apresentação ao público. Eram cenas curtas e autocontidas que mudavam a cada edição.
A questão é que Antunes tinha um estilo particular e seus atores seguiam essa linha com rigor. Quem via algumas peças dele era capaz de enxergar com clareza as “marcas registradas” de Antunes, em particular a empostação vocal dos atores que era quase uma impressão digital.
Antunes nos deixou e, desde então, vi duas peças feitas pela sua última turma de alunos no CPT. Uma edição especial de Prêt-a-Porter, com cenas excelentes, e, mais recentemente, Gesto.
O texto inédito de Silvia Gomez com direção de Vanessa Bueno inevitavelmente nos remete ao trauma da pandemia, mas o cenário da sala de hospital lotado onde diversos dramas se cruzam em um caos intenso, infelizmente, é quase atemporal no Brasil.
É interessante que o a peça se apresenta como uma homenagem a Antunes Filho e, nesse aspecto, funciona muito. É possível ver a influência do diretor na educação daquelas pessoas, o quanto das referências dele eles absorveram.
Esse tipo de habilidade artística é algo que merece destaque. O teatro é efêmero por natureza. Apagou a luz no final da peça, a obra acabou. Ela pode até ter uma sobrevida como um livro, mas o texto no teatro é só um alicerce que pode dar origem a encenações totalmente distintas usando as mesmas palavras. E, nessa linguagem tão peculiar, Antunes foi capaz de deixar um legado que sobreviverá em seus alunos.
É claro que cabe um alerta. Alguém terá que tomar a frente do CPT e seguir adiante. As técnicas e o estilo de Antunes podem permanecer sempre lá, mas, se a produção desse núcleo se limitar ao passado, infelizmente perderão a relevância.
Gostei muito das duas homenagens e espero ansioso para ver algo diferente na próxima vez que for ao CPT.
Igual mas diferente
Há um prazer indiscutível na repetição.
Quando vemos algo que gostamos sempre queremos mais e procuramos aquele autor para mais uma dose. Queremos algo igual, mas, ao mesmo tempo, novo. Alguns autores se profissionalizaram nisso. Já falei algumas vezes sobre o escritor Haruki Murakami que dominou tanto isso que seus fãs fizeram até bingo com elementos que estão em todos os seus livros:
No teatro brasileiro, também temos um mestre nesse aspecto: Mario Bortolotto.
Se você viu uma peça de Bortolotto e gostou, pode ir sem medo a qualquer outra.
Além dos textos próprios, o diretor se especializou em encontrar peças gringas que mantenham o estilo bruto, violento, com personagens desajustados de uma intelectualidade improvável (os eternos vagabundos iluminados de Kerouak) em um momento intenso em que se confrontam com um dilema que põe em cheque a própria natureza de todos os envolvidos.
As encenações são sempre marcadas por uma trilha de blues pesada selecionada por Bortolotto e, muitas vezes, ele está em cena contracenando com o ator Carcarah.
A peça mais recente que eu vi dele foi Oeste Verdadeiro.
Nesse texto de Sam Shepard vemos toda a dimensão do Carcarah como ator em um papel inicialmente retraído que se desdobra em uma explosão física de cenas impressionantes. E, digam o que quiserem os críticos sobre Bortolotto, mas a presença de palco dele é monumental. Ele cresce em cena e assume uma proporção física que torna muito crível a brutalidade com que ele arremessa o personagem de Carcarah para todo os cantos.
Mara Faustino e Walter Figueiredo integram o elenco reforçando outra das características da direção de Bortolotto: ele sempre se cerca de bons atores.
Elogio ao mestre - 2
Por falar em mestre, terminou esses dias o podcast O Ateliê de Chico Felitti.
Sim de antemão, cabe um milhão de críticas ao material. O podcast é longo, o estilo narrativo é chato (Chico tem o hábito irritante de repetir absolutamente tudo; se alguém fala: daí eu tomei água; ele repete: ela tomou água) e apresenta o drama de pessoas ricas, por quem é um tanto difícil sentir empatia. Mas, mesmo assim, a temática me interessava.
O tal ateliê fica perto de casa, pertence a um artista quase desconhecido chamado Rubens Espírito Santos (RES) e, ao longo do tempo, ele partiu de algo que era uma escola de artes para um espaço onde meninos ricos vão para aprender a lavar copos e seguir as ordens de um sujeito que gosta de ser chamado de mestre. O caso entra em uma espiral louca que envolve a acusação de ex-alunos de terem sofrido violência física, mental, sexual e extorsões financeiras no local. Os relatos são impressionantes porque, a todo momento, você pensa: como a pessoa voluntariamente topa isso.
A situação tem uma suposta configuração de seita em que pessoas fragilizadas vão entrando e mudando suas vidas até um ponto que sentem que não podem mais sair de lá.
A história em si é bem curiosa e nos faz pensar em vários outros cursos, mentorias, grupos que poderiam ter características semelhantes.
Não vou dizer que vale a pena ouvir O Ateliê, porque a maior parte dos áudios são exaustivos. Mas vale a pena ler a matéria da Folha https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/01/ex-alunos-acusam-escola-de-arte-de-praticar-violencia-fisica-e-sexual.shtml escrita pelo próprio Chico Felitti, todos os pontos relevantes da história estão ali.
A gente sempre vê esses casos e pensa que nunca cairia em algo assim, mas imagino que a maioria das pessoas que se envolve nessas situações dramáticas também pensavam isso.
Pintores
Essa semana vou começar a trazer umas imagens de Max Ernst, ele entrou na minha mira por ser um dos pintores que inspirava Charlotte Salomon (tema da edição anterior). Ernst é um pintor alemão que fez parte do movimento surrealista e dadaísta.
Essa pintura é bem curiosa, um dos trabalhos iniciais do artista que pouco tem a ver com o caminho que ele seguiu, mas que é um belo exemplo de uma paisagem expressionista, algo que deve remeter as pinturas que Ernst gostava quando começou a praticar.
Esse autorretrato é interessante para mostrar como o artista tinha uma base técnica/realista bem sólida. É uma arte com uma série de problemas de composição, mas esse olhar e essa luz lateral amarelada…. é um espetáculo.
Aqui o trabalho dele já começa a linha mais surrealista, mas chama a atenção que a habilidade técnica segue muito presente.
Uma característica marcante de Ernst é esse trabalho multimídia que mistura pintura, desenho e colagem.
Esse é um quadro bem interessante. Uma visão caótica de um elefante. Mas gostaria de chamar a atenção para as cores e o cenário. Guardem essas cores na mente. Um dia vou fazer uma edição sobre Terry Gilliam e ficará bem evidente a influência de Ernst e outros surrealistas ao longo do tempo.
Fala jovem!! Rapaz, esse lance do Ateliê em que pessoas se submetem a situações que não são saudáveis, também pode ser chamado de trabalho, no qual se o Ministério do Trabalho age, tem limites e mesmo assim acontecem absurdos. Tem locais de trabalho que são verdadeiras seitas. Eu sempre brinco que as firmas dão café para os funcionários porque são proibidas de dar cocaína, porque se pudessem davam. Só não gostam muito de dar dinheiro mesmo. Ironias à parte, sempre que eu leio seus textos tenho vontade de voltar ao teatro. Aqui na minha cidade, tem um da prefeitura, vou me animar e ir atrás destes espetáculos. Grande abraço!