Caderno de Recortes #75 - Charlotte Solomon
E aí meus croissants? Como estão? (link misterioso para explicar essa abertura)
Só Charlotte
Eu não costumo ser monotemático, mas hoje vou falar só sobre uma pintora chamada Charlotte Solomon.
Cheguei nessa pintora por causa de um livro do David Foenkinos.
Parêntesis - Quem é David Foenkinos?
Foenkinos é um escritor francês que está fácil no meu rol de autores favoritos. Sou apaixonado por um dos livros mais antigos dele chamado Em caso de felicidade. Na época que eu li, me encantei pelo texto delicioso, com frases tão perfeitas e personagens peculiares. Foenkinos escreve prosa, mas é poético. Seu texto é preciso de forma a criar universos multifacetados em livros de poucas páginas. Aliás, esse ponto é o calcanhar de Aquiles das edições nacionais. Quando bem traduzidas, como os primeiros livros feitos por Bernardo Ajzenberg (que aliás é um ótimo autor também) ou Charlotte, produzido pela Maria Alice A. de Sampaio Dória, os livros são lindos. Quando o tradutor não tem tanta habilidade, como aconteceu em As lembranças, o livro perde todo o brilho.
O escritor francês, desde que descobriu o trabalho de Charlotte Salomon, ficou obcecado por ela e partiu em uma jornada para descobrir todo o possível sobre a pintora. O resultado é justamente o livro Charlotte, que tem um estilo extremamente peculiar para uma biografia.
Foenkinos não se contenta em relatar a vida breve da pintora que, por si só, já é uma história fantástica. Ele busca uma conexão emocional com as motivações dela para produzir arte, principalmente em um contexto extremamente opressivo. Charlotte era judia alemã e viveu a ascensão de Hitler ao poder, sentido na pele toda a crueldade que ele e seus seguidores espalharam pela Europa. Não havia garantias ou lugares seguros, o pai de Charlotte, um médico que defendeu a Alemanha na Primeira Guerra era um patriota que se recusou até o último minuto a acreditar que seu próprio país poderia destruir a vida dele daquela forma.
Além do contexto sombrio, Charlotte vem, por parte da mãe, de uma família trágica marcada por diversos suicídios. Tudo isso molda a persona única da pintora.
Ideias roubadas
Como já citei, o estilo de Foenkinos é marcado pela precisão textual e, nesse livro, ele optou por “empilhar” suas frases perfeitas. Com um visual de poesia e um peso indescritível em cada um dos pontos finais, o escritor francês distribui ao longo do livro pérolas como as que eu separei abaixo.
Pintores
Obviamente, a pintora que fecha a edição da semana só poderia ser Charlotte.
Sua arte peculiar misturava desenhos e palavras carregadas de emoções. Mesmo sem entender nada de alemão, é possível sentir o estado emocional de Charlotte nas suas pinceladas.
Charlotte teve um aprendizado formal de desenho muito completo. Mesmo com todas as dificuldades das circunstâncias, estudou na principal escola de Belas Artes da Alemanha hitlerista. Os professores reconheceram algo tão especial nela que arriscaram a própria vida para tê-la como aluna.
A pintora é uma herdeira direta do expressionismo alemão, mas é possível notar em artes como essa como ela flertava com a ilustração e já utilizava conceitos que passariam a ser quase um padrão editorial décadas depois.
A maior parte do trabalho de Charlotte era com gouache. Não dá para saber se foi exatamente uma opção (apesar de ela usar com maestria a opacidade característica dessa tinta) ou se foi um consequência da escassez do período da guerra. Gouache é uma tinta prática para transportar, relativamente fácil de produzir e que aceita quase todos os papéis como suporte, o que a torna ideal para a vida caótica da artista.
O uso do contorno e das palavras é bem marcante nas obras dela.
Ela também usava papel de seda para sobrepor textos e em imagens.
Por fim, uma paisagem linda e até tranquila para fechar a edição.