Caderno de Recortes #92 - Graça Infinita/O Final da Turnê/Entretenimento Político/Feyhaman Duran
Como vão, infinitos amigos?
Infinite Jest/Graça Infinita
1079 páginas, 577.608 palavras, mais de 1 quilo de papel, mais de um ano lendo…
O best-seller de David Foster Wallace foi meu companheiro nos últimos tempos. Viajou comigo por várias cidades, foi lido em carros, vans, ônibus, hotéis, praças e sei lá mais onde. Por muito tempo fui intercalando o texto enciclopédico de Wallace com vários outros livros e, agora, essa jornada chegou ao fim.
Tudo começou de uma forma meio bizarra. Sempre via a edição da Cia. das Letras traduzida pelo Caetano W. Galindo por aí, tem uma capa linda e um tamanho que se impunha em qualquer livraria. Então, em um dado momento estava ouvindo vários audiobooks e pensei: por que não ouvir Graça infinita?
Pesquisando sobre, dei de cara com um texto que criticava a versão em audiobook porque as notas de fim de texto vinham em um pdf à parte, veja, são 56 horas e 12 minutos de áudio sem a leitura das notas que são uns 15% do texto. Para entender melhor a polêmica consultei o Lielson Zeni (autor dessa HQ aqui) que me disse: “o livro são as notas”.
Como o Lielson gostava muito do livro, deixei ele em uma lista para algum momento, até que apareceu no SKOOB, para troca, a edição comemorativa de 20 anos em inglês (para quem não conhece é uma rede social de livros em que você pode fazer trocas e registrar suas leituras e livros que deseja ler). Assim, com custo praticamente zero, o livro se manifestou em casa.
Algumas questões importantes para acrescentar sobre o tamanho do livro. Não é que são apenas muitas páginas, é um texto com um vocabulário complexo, com muitas palavras inventadas (e tantas outras que parecem inventadas), que se passa a maior parte do tempo na mente perturbada dos personagens, com poucas falas e com idas e voltas para as notas constantes no final do livro, impressas em letras miúdas. Além disso, muitas vezes, tem mudanças bruscas de assunto/tempo dentro de um mesmo bloco de texto. Ou seja, não é um livro que se lê de forma leviana. Ele obriga a se concentrar e a voltar o texto inúmeras vezes. Inclusive fiz a leitura me apoiando no https://www.litcharts.com, que tem uma análise muito boa capítulo a capítulo. Então sempre que parava o livro, antes de voltar dava uma olhada na análise dos capítulos anteriores para me localizar e ver se eu tinha perdido algo nas palavras.
Nesse ponto você deve estar se perguntando: mas vale a pena o “sacrifício”?
A resposta é sim, com certeza Infinite Jest já está na lista dos melhores livros que eu já li.
Esse monumento classificado como o último grande romance do século XX, categorizado como pertencente ao movimento do “realismo histérico” e dos “romances enciclopédicos” tem três linhas narrativas principais:
Em um futuro próximo é formada a supernação ONAN (formada pelo Canadá, EUA e México), as redes de tv e cinema foram substituída por entretenimento sob demanda (meio como a Netflix) e o tempo passa a ser classificado por anos patrocinados (igual as estações de metrô de São Paulo, só que um pouco mais confuso, porque você tem que saber que o Ano da fralda geriátrica Depend é antes do Ano da Glad). Nesse cenário acontece uma trama de espionagem envolvendo um dos grupos terroristas separatistas mais violentos de Québec, os “assassinos de cadeira de rodas”, e os agentes do Departamento de Serviços Não Especificados. Ambos estão em uma corrida para encontrar o cartucho matriz do “Entretenimento”, um filme tão envolvente que qualquer um que o assiste perde todo o interesse no mundo e morre de inanição diante da tela.
A linha narrativa principal acompanha a família Incandenza, supostamente envolvida na gravação do “Entretenimento” e com uma rotina centrada em um internato de ensino básico/academia de elite de tênis.
Em paralelo temos a história de um zelador de uma casa de recuperação de viciados, sendo ele próprio um adicto recuperado.
Parece confuso, não? Some a isso incontáveis histórias paralelas envolvendo os personagens coadjuvantes desses cenários.
É muito difícil resumir um livro desses pela trama, talvez seja mais fácil dizer que é uma análise complexa sobre vícios em um espectro muito amplo, sobre o cenário cultural dos anos 90 [incluindo uma especulação, que acerta em muitos pontos, sobre a direção cultural que o mundo seguiu], além de ser uma história sobre a dificuldade de comunicação nas famílias e a relação patológica de expectativas dos pais sobre os filhos.
O mais interessante é que, por mais detalhista que o autor seja em tudo, o livro é muito engraçado, cheio de situações absurdas que fazem o leitor rir sem nem poder explicar a graça, pois ela só faz sentido em um contexto muito intrincado. Wallace, inclusive, concebeu o livro para ser um manifesto contra o entretenimento que é, em si, tão envolvente e divertido que o leitor não quer deixar aquele universo.
Em contrapartida, o livro tem uma profundidade dramática absurda. Todas as reflexões sobre vícios, sobre recuperação, sobre depressão e outros estados emocionais é tratado em situações tão extremas e narradas em um fluxo mental tão intenso e violento que não é possível terminar a leitura sem sofrer alguma transformação interna ou ao menos sem mudar sua percepção sobre a vida como um todo.
É preciso dizer que o uso da linguagem por Wallace está em outro nível. É uma prosa absurdamente linda de bem escrita, principalmente quando relata temas mundanos.
Enfim, eu não vou dizer que você “tem” que ler esse mamute, mas posso dizer que sempre vou lembrar com muito carinho dessa leitura que eu espero ter uma chance de revisitar um dia.
O final da turnê
Enquanto eu lia Graça Infinita, o Guilherme Kroll (dono dessa editora aqui) me falou sobre esse filme que conta sobre um repórter que ficou uma semana com David Foster Wallace para entrevistá-lo sobre o livro. É um filme baseado no livro que o repórter lançou e apresenta uma visão muito particular sobre a vida e a obra do Wallace. Eu vi o filme quando estava mais ou menos na metade da leitura. Foi muito importante para reforçar alguns entendimentos sobre o que eu estava lendo e sobre o autor em si. Além disso é um filme bem feito com um dos finais mais lindos que se pode imaginar para um filme que trata sobre alguém que cometeu suicídio.
Entretenimento político
Tenho alguns amigos que estão assistindo a CPI da tentativa de golpe do 8 de Janeiro com tanta paixão e intensidade que parece que estamos revivendo aquele clima da CPI da Covid em que todo dia parecia que o governo ia cair. Não quero desanimar ninguém, mas a CPI da Covid, depois de dar muita audiência, gerou uma pilha fumegante de nada. E, tudo indica, que deve ser o destino dessa temporada da CPI do momento. Tanto que, enquanto algumas pessoas não se desgrudaram da TV no dia em que o Hacker foi bater boca com o Moro, sabe quem não estava nem aí para tudo aquilo? Só o presidente da CPI.
Menos que nada
Na verdade se a CPI não desse em nada talvez fosse até melhor do que essas cenas patéticas que dão palco para imbecis insanos ofenderem quem só fez o seu trabalho.
Pintores
Chega de texto, vamos ao que interessa, as figurinhas. Essa semana eu trouxe um representante turco do expressionismo: Feyhaman Duran (1886/1970). É importante dizer que, apesar de ter alguns elementos do oriente, esse é um pintor quase totalmente ocidentalizado, independente disso, ele tem um trabalho muito bonito, principalmente no uso das cores e das pinceladas bem marcadas.
P.S.:
Obrigado a quem se inscreveu e leu.
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Abraços e até a próxima.
sempre tive curiosidade sobre este livro, já vi o filme e agora vou ser obrigado a ler, haha